terça-feira, 21 de setembro de 2010

LITERATURA: Dois Corpos que Caem!

“O fundamental no mistério é aguçar contradições, e não desvendar. Matar-me, por exemplo, é bom na medida que me torna parte do enigma e, de certo modo, o agudiza.”
“Deus desistiu de entender os homens, e virou também indagador. Sem Deus nem Razão, a única fé possível é mergulhar neste abismo do mistério total.”

Com esses dois ótimos trechos do conto: Dois Corpos que Caem de João Silvério Trevisan dou início a esse post sobre o próprio conto.

Você encontra o conto escrito em:

https://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/joao-silverio-trevisan-dois-corpos-que-caem-

E o conto em áudio:
Na versão em áudio foram suprimidas algumas partes do texto, por isso sugiro que as duas versões sejam acessadas.
E como de costume na sessão de literatura desse blog utilizarei a idéia de João Silvério Trevisan e escreverei a minha versão de Dois Corpos que Caem. Na verdade não é bem uma versão, utilizarei o conto como ponto de partida somente.

Conversas de Corredor

Porto Alegre, dez horas de uma manhã qualquer, no presídio de segurança máxima, dois homens desconhecidos sentados em bancos de concreto de um corredor pouco iluminado, conversam.
Na parte de fora do presídio milhares de pessoas erguem cartazes e gritam versos de protesto contra a recém aprovada pena de morte. A polícia intervém, alguns feridos e outros presos. Para os manifestantes já é tarde.
No corredor, João tentando em meio à escuridão desvendar alguma parte rosto do outro, se apresenta. Antônio, sem demonstrar muita vontade, também diz seu nome.
Após vários minutos de silêncio, João decide iniciar um dialogo:
- Então Antônio, o que fez de tão grave para estar aqui?
- Não vejo necessidade em conversarmos – responde Antônio sem muita convicção.
João, sem se preocupar com o que tinha ouvido, continua a conversa.
- Também não vejo muita importância nessa conversa, só imaginei que talvez pudéssemos tentar entender os motivos que nos trouxeram a esse corredor, nesse momento, juntos. Afinal de contas, em minutos entraremos para a história, seremos relatados em todos os livros jurídicos. Nossa execução servirá de debate nos jornais e na TV. Você entende a dimensão disso?
Antônio faz um gesto concordando com as palavras de João, que continua.
- Se eu soubesse que minha morte teria tanta importância não sentiria tanta culpa pelo que fiz. Somente agora percebo que matar toda aquela família era fundamental para mim. Em princípio eu só buscava dinheiro mesmo, não esperava que alguém reagisse. Quero que compreenda Antônio, eu matei por dinheiro, mas se soubesse de toda essa repercussão eu poderia matar por ela. Sempre vivi a margem de tudo, sem reconhecimento, sem prestigio, sem aspirações. Mas hoje Antônio, a minha vida vai mudar. Quando aquela corrente elétrica tomar conta de todo o meu corpo e enfim meu coração parar, eu serei alçado ao centro das discussões, enfim serei lembrado. Não haverá ser humano no mundo que não saberá quem sou, ou quem fui. Meu legado será eterno Antônio. Isso não te parece formidável?
- Sob essa sua perspectiva sim – respondeu Antônio ainda cabisbaixo – mas eu não vejo assim. Serei punido pelo meu crime somente. Punição que eu mesmo deveria ter me dado, mas me faltou coragem. Só espero que não falte ao carrasco.
- Mas e seu legado Antônio?
- Legado é a coisa menos palpável que temos. Da minha vida não restará nada. Na verdade, para mim, minha morte hoje não significará nada. Para os jornais de amanhã será ótimo, “A primeira execução no Brasil”, com recorde de vendas. Mas eu, João, não lerei os jornais no túmulo.
- Compreendo Antônio e espero que quando a sua execução começar você continue com suas certezas. Arrependimentos não cabem para o momento. Morrer te parece necessário.
Alguns passos começam a serem ouvidos no corredor. João sorri, Antônio não demonstra reação. Uma voz pede que ambos se levantem e se encaminhem até a sala de execução.
João e Antônio já estão sentados, devidamente amarrados prestes a serem mortos pela grande voltagem que seus corpos receberão. Ambos dependem somente de um aceno oficial para que o carrasco faça o seu trabalho.
E nesse instante Antônio sussurra:
- Sorria João, assim fica melhor nos jornais.

2 comentários:

  1. Acho que o Putinga tinha me mandado o link do youtube uma vez.

    Enfim, uma boa história, rápida, veloz, com um ritmo acelerado, interessante mesmo. Não vou dar juízo de valor a tua versão, que como dizes, não é versão, é de um ritmo bem diferente, fora a idéia da morte próxima achei totalmente sem ligação com o conto mas gostei. Fechastes bem a história, teve um clímax surpreendente ao sussuro vir por parte do Antônio e não do João.

    É isso. Abraço Poeta,

    Alex

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  2. Alex,

    Que bom que você entendeu o propósito do meu conto. Não é versão, só utilizo a ideia do outro conto, as vezes nem isso, as vezes é a ideia da ideia. Até pq não tenho calibre para fazer versão de coisa alguma.
    Vlw pelo comentário.

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