quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

MEMÓRIAS DE UM ESTUDANTE DE MENTIRA (2)

Desavenças na CEU
Em todos esses anos de casa do estudante eu presenciei várias desavenças entre moradores, participei de algumas também. Nem sempre essas desavenças ocorriam por algum motivo concreto, as vezes só o fato de não ir com a cara do outro já era motivo para comprar uma briga. Eram raros os inimigos declarados, a maioria não se gostava mais tentava conviver pacificamente, na medida do possível.
A maioria das brigas se dava por motivos fúteis: uma cueca esquecida no banheiro ou pelo barulho incessante de dados rolando na mesa do hall de madrugada ou ainda pela gritaria inerente a um bom jogo de truco. Sobre essas eu não darei mais detalhes, vou focar apenas nas brigas mais esdrúxulas ocorridas na CEU, que são duas. Já antecipo que infelizmente não houve nenhuma tragédia em nenhuma delas, infelizmente somente para os telespectadores.
Faço agora o meu relato sobre os acontecimentos.

Armando uma imensa confusão
“É madrugada, parece estar tudo normal. Mas esse homem desperta, pressentindo o mal”. Essa frase da música Um Homem na Estrada do grupo Racionais, reflete bem meu sentimento naquela fatídica madrugada de domingo, antes vou descrever o ocorrido.
Era uma noite de um sábado qualquer quando alguns meliantes do 7º andar tiveram a brilhante idéia de pedalar (chutar e socar) a porta de um morador do 5º andar. Importante salientar que esse morador era odiado por uma boa parte da CEU, inclusive por mim, que por ser extremamente covarde não participei da operação.
Os meliantes se dirigiram até o andar da vítima e desferiram vários chutes e socos na porta de seu quarto, alguns gritos de ordem foram entoados “A.(inicial do nome da vítima) filho da puta”, “sai daí se tu é homem” e coisas do tipo. Mediante ao silêncio vindo do quarto, os meliantes viram o quão infrutífera tinha sido a operação e decidiram manifestar sua ira em um bilhete que com o auxilio de fita adesiva foi afixado na porta da vítima, no bilhete continha a seguinte frase ”A. aparece no 7º andar que tu tá morto”.
Após o ocorrido, a noite seguiu tranqüila no 7º andar, com animadas conversas sobre a operação e o quão hilária ela parecia. O que ninguém podia prever é que ás 6h da manhã de domingo, a vítima chegaria da balada e ao ver sua porta depredada empunharia uma perna de uma mesa de madeira, e se dirigiria ao 7º andar para verificar se o que o bilhete dizia seria realmente realizado pelos seus idealizadores.
É nesse momento que a frase da canção dos Racionais fez sentido para mim. Só que eu não pressentia o mal, ele estava ali batendo na minha porta. Ou melhor, na porta do banheiro, pois era nesse local que a vítima desferia a sua raiva com golpes precisos de perna de mesa.
Pensei seriamente em me levantar e enfrentá-lo, talvez tentar dissuadi-lo de acordar todos os pobres e inocentes moradores naquela manhã de domingo, mas o excesso de sono impediu que minhas pernas se movessem.
Talvez seria melhor que os meliantes deixassem claro em seu bilhete o horário exato que a vítima deveria aparecer no 7º andar para que o homicídio pudesse ser realizado. Os assassinos não acordam as 6h da manhã em um domingo, muito menos os que moram na CEU.
Conclusões da história: a vítima passou a ser réu por ter depredado patrimônio público, mas nada aconteceu; nenhum meliante conseguiu vencer o sono e cumprir o prometido no bilhete; a história foi debatida ao longo do dia; e eu voltei a dormir até às 13h como já era de costume nos sábados, domingos e feriados.

Funeral do Imortal Tricolor
Obviamente uma das homéricas confusões na CEU ocorreu por causa de futebol. O jogo que causou tanta polêmica foi Grêmio X Boca, final da taça libertadores de 2007.
Na ocasião o Grêmio tinha a difícil tarefa de virar um placar adverso, no jogo de ida a equipe havia perdido por 3x0 e necessitava de um pequeno milagre para sagrar-se campeão, o que não ocorreu. A respeito do jogo já temos informações suficientes.
Antes da partida, nos reunimos para fazer um esquenta. Pelo que eu me lembro muito vinho barato e de qualidade duvidosa foi consumido. Um dos nossos acabou se passando nas doses ingeridas, para preservar o pouco que resta de dignidade desse amigo vou ocultar seu nome verdadeiro, a partir de agora o tratarei apenas como “Man”. Em suma, o Man tava bebasso. Só para ilustrar, vou elencar algumas coisas que o Man consegue fazer quando está bêbado: comer xaxim, pedalar portas e colocar bilhetes nela, estapear ex-moradores de rua ao amanhecer, praticar sexo com mulheres que roubam celulares ou que estejam grávidas de trigêmeos, afugentar ladrões correndo e gritando, usar uma máscara do pânico no Zaffari, se formar no curso Técnico em Transações Imobiliárias, dentre outras. Muitas dessas coisas ele fez são tb, mas é consenso que é mais fácil fazê-las alcoolizado.
Voltando ao incidente. Após o apito final do jogo o Man (gremista, diga-se de passagem) arriou as calças apagou as luzes do corredor, acendeu uma vela e começou a entoar um verso composto por ele mesmo naquele momento, era mais ou menos assim “Funeral do imortal tricolor, funeral do imortal tricolor”. O verso deveria ser repetido indiscriminadamente por tempo indeterminado. Obviamente os gremistas do andar não gostaram do verso, porém como conheciam o Man e sabiam das suas peripécias, nem deram bola.
É nesse momento que dois moradores do 8º andar (gremistas) que estavam descendo as escadas rumo a algum boteco afogar as mágoas, ouviram o verso e decidiram manifestar a sua indignação em relação a ele. E é nesse momento que eles encontram um sujeito esquálido, sem camisa, com a calça arriada, segurando uma vela em uma mão e uma garrafa de velho barreiro em outra, simulando o tal funeral que o verso fala.
Eu gostaria de dar um pause na história e perguntar para o cidadão de bem e digno que está lendo essas linhas. Você ficaria bravo com o Man? Você considera que ele deu motivos suficientes para esses dois desconhecidos quererem “colar o seu brinco”? Só queria que todos refletissem a respeito.
A confusão se instaurou no sétimo andar. As pessoas se amontoaram no corredor tentando ver alguma briga ou coisa do tipo. Os dois gremistas estavam enfurecidos com a manifestação daquele sujeito, ficaram mais emputecidos quando descobriram que o Man também era gremista. Diziam “isso ai não é torcedor de verdade”. Dentre os vários acontecimentos, a situação mais engraçada foi quando o Man se ajoelhou e entregou a garrafa de velho barreiro na mão de um dos torcedores e disse “pode bater”, extremamente cômica a cena.
Depois de toda a confusão, das ameaças e nada de briga pra valer, cada um se dirigiu a seu quarto e o Man saiu pela culatra, teoricamente saindo da CEU. Claro que ele não deixou por isso, algumas horas depois ele voltou e foi uivar no 8º andar, tivemos mais uma correria e novamente ele sumiu, só que para não mais voltar, pelo menos naquela noite.
As brigas da CEU são engraçadas porque elas não parecem sérias de verdade e no final ninguém se machuca, nem um arranhão sequer. Parece uma peça de teatro, que eu com certeza pagaria para ver.

4 comentários:

  1. Mto engraçado.
    Fiquei imaginando a cena do funeral tricolor.

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  2. Tem que citar quando a briga ia para o nível simbólico/poético/intelectual e apareciam as discussões ideolígicas/religiosasn/políticas e críticas no Torre de Babel...

    Abração poeta,

    Alex

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  3. O Man sempre iniciava todas as confusões, mesmo que ele não queira, sua presença transforma o clima local. É só lembrar de um casamento em que os convidados destruiram um boneco roubado, ou daquele incidente em que a noite terminou com um tapa em cheio do Putinga. Que droga man!

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  4. lembro que eu tinha uma barra de ferro sob o colchão para estes eventos beeeem cômicos...

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