quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Memórias de Outro Estudante de Mentira!

Eu não era o único estudante de mentira que morava na casa do estudante, por isso abro espaço aqui no blog para alguns amigos da época também contarem suas memórias. Para começar ninguém melhor que o eterno presidente da AMCEU (associação de moradores da CEU) o Eduardo.
Sem mais delongas vamos ao texto do Duda.

A procissão que acabou em protesto

Revoltados com a situação, eles cantaram palavras de ordem e bateram panelas na Avenida João Pessoa, na Capital, para pressionar a instituição a solucionar o problema. Segundo os manifestantes, a escassez de água decorre de um problema no próprio prédio. Os estudantes afirmam que já houve casos de até dois dias sem abastecimento. Zero Hora, 07/04/2009.
Noite de 6 abril de 2009. Quinto andar da Casa do Estudante. Havia faltado água na Casa do Estudante desde o meio dia e fomos informados pelos porteiros que havia ocorrido um problema na caixa d’água da Casa. Esses problemas, aliás, estavam ocorrendo seguidamente, mas naquele dia nem sequer fomos avisados antes. E como era comum que o problema só fosse resolvido no outro dia, tivemos que tomar uma decisão drástica: sair dos quartos e nos relacionar com os outros. Assim como nos momentos em que a internet caía, os moradores costumavam se reunir no hall quando faltava água. Para quem já passou pela situação, a casa se tornava um lugar realmente difícil nesses momentos, já que o odor dos banheiros se fazia insuportável em poucos minutos, o que inquietava a todos. No hall do quinto andar nos reunimos em peso, sem distinção de gênero ou de consciência. A primeira ideia que alguém teve foi a de verificar se as mangueiras de incêndio dos corredores tinham alguma água. A boa notícia é que havia uma boa reserva de água, a ruim é que essa reserva tinha sido guardada há alguns anos, dada a sua cor. Pelo menos ela já serviu para a descarga dos banheiros. Foi aí que o Sandro, meu colega de quarto, teve a ideia de tomar banho. Sandro é um tipo humano excêntrico. Nem precisava dizer, pois eu só tive colegas de quarto estranhos. O Sandro se superava quando estava bastante embriagado, pois possivelmente ele estivesse meio embriagado constantemente, eu pelo menos quero acreditar nisso. Pois então, o Sandro fazia Geologia e era o tipo de cara que topava qualquer coisa que viesse em tom de desafio e fosse pronunciado em público, como daquela vez em que ele baixou a última peça que ainda lhe restava no corredor do quinto andar. Bem, vou resumir o Sandro lembrando que a última vez que eu saí com o Sandro, o Putinga e o Pouso Novo estavam juntos, e o Sandro foi abandonado de madrugada no videokê da festa, empolgadíssimo.
Continuando, foi aí que alguém deu outra ideia de organizar uma procissão. Sempre nos lembrávamos daquelas procissões de interior, das velas nos copos cortados de xampu e das velhas desafinadas que faziam entonações mais arrepiantes em determinado trecho da música. Na semana anterior havíamos realizado nossa primeira procissão no andar que, aliás, havia sido bem sucedida, assim como a primeira corrida de mãos dadas no corredor em duplas e até, pasmem, em trios. Mas voltarei a esse ponto. De velas em punho, baldes, luzes apagadas, músicas cristãs (algumas de axé também) seguimos até o oitavo andar, acrescentado palavras de ordem e súplicas por água. Fomos até o oitavo andar e íamos arrecadando no caminho outros moradores tão desocupados quanto nós. De fato, o negócio saiu um pouco do controle e quando estávamos no segundo andar alguém deu a ideia de irmos até a Reitoria. De fato, era uma ideia estúpida, já que não havia ninguém lá (a reitoria não é a casa do reitor), até que desistimos e ficamos pela João Pessoa. Foi aí que o negócio esquentou mais. Os moradores dos outros andares foram para a sacada e outro grupo ficou na João Pessoa, que ia recebendo cada vez mais pessoas. Todos gritavam por água e o pessoal começou a jogar água das sacadas, a mesma água que o Sandro levou um banho. Como estavam todos alucinados, para não dizer outra coisa, o líquido veio a calhar. Pois bem, tomamos a João Pessoa. É preciso considerar que naquele horário ninguém iria querer a João Pessoa, pois naquele horário todo mundo queria dormir, como ficou claro nos objetos jogados dos outros prédios ao lado. Pois bem, tomamos a João Pessoa a partir de uma demonstração simbólica de posse: a corrida de mãos dadas no corredor de ônibus. Um sonho realizado. Eu corri de chinelo no corredor de ônibus da João Pessoa e naquele momento isso não parecia uma imbecilidade. Cada um ao seu modo fazia seu protesto particular.





Foi aí que a polícia chegou. Foram chegando e já pedindo que nos retirássemos da rua (que absurdo!), o que não aconteceu, o negócio começou a ficar quente. O policial perguntou: “quem é o responsável por isso?”. Um sujeito em clima de festa diz: “todo mundo!” e como quem contempla sua própria voz repetiu mais alto: “todo mundo!”, continuando a batucada. Houve discussão e um morador foi levado, somente um, apesar dos demais pedidos. Averiguação. Depois as coisas se estenderam mais, com o reforço de cinco viaturas, já que se tratava de pessoas muito perigosas. A grande mídia também apareceu, ouviu depoimentos e todas as reivindicações dos moradores, que ao longo da semana e de outras reportagens, passaram a uma lista infindável. A movimentação acabou com a chegada do diretor da assistência estudantil, que conversou com alguns moradores. Pela manhã o abastecimento de água foi normalizado.

Breve moral da história
Apesar da falta de planejamento o protesto teve conseqüências positivas, já que a assistência melhorou bastante com a visibilidade da mídia, sinal de que quando interessa à imagem da instituição as coisas acontecem. As pessoas perceberam, sem querer, que tinham o poder de transformar o lugar onde estavam por uma via menos demorada e burocrática.

Desdobramentos
Sandro ainda freqüenta a “Hora Feliz”, festa semanal da Geologia e ainda volta para Caraá para disputar o campeonato de futebol.
O cara que disse “todo mundo” não foi mais encontrado.
O morador que foi preso voltou intacto.
Putinga também participou da primeira corrida de mãos dadas no corredor do quinto andar, mas não estava presente nesse episódio.
O Man não morava mais na casa, do contrário o incidente teria outro desfecho.
A corrida de mãos dadas ainda não é reconhecida como um esporte, a despeito dos benefícios morais (fonte de solidariedade) e físicos (barriga de tanquinho) proporcionados.
Para acessar algumas reportagens do episódio, acessar:

8 comentários:

  1. Eduardo tem tempo para mandar texto para o blog, mas quando eu suplico um texto para o jornal, uma edição totalmente feita/dedicada por/a moradores da CEU, ele nem se presta a responder o meu e-mail.

    O poder sobe a cabeça de todas as lideranças...

    Como diria Humberto Gessinger:

    "Francamente, há muito já não somos como já fomos: Todos iguais"

    Indignadamente,

    Mascote

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  2. Eu não recebi esse email, vou ver com minha secretária.
    Abraço
    Edu

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  3. Under pressure!

    Demais a mais, se virem a reportagem lá estou com minha toalha azul, depois de um dia de labuta meditabunda... Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos...
    Abraços a todos os inconformados - os permanentes e os ocasionais!

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  4. Para a cobertura televisiva, ver:

    http://www.youtube.com/watch?v=t4HMcMUZAmU&feature=related

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  5. Cara, noite memorável. Aliás, esse é o tipo de história que se conta aos netos um dia. Só me entristece saber que, tendo em vista a nova leva de moradores, dificilmente esse tipo de ato se dará novamente.

    Parabéns pelo texto, revivi aquela dia, aquela noite, e o dia seguinte, em que fui para meu estágio obrigatório sem dormir e sem tomar banho.

    Abraço!

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  6. faziam dois dias q não tomava banho. tive que tomar uma atitude, e o hidrante me pareceu a melhor alternativa. no inicio era apenas para limpar os sanitários, mas nossos corpos estavam tão sujos quanto. foi a a alternativa correta, pois daí se iniciou todo o protesto. após muito tempo nessa semana voltou a faltar água, duas vezes em tres dias, mas infelizmente os hidrantes estão lacrados (para o caso de incêndio ninguém estragar). pensei em quebrar com um martelo, mas acho que logo desconfiariam de mim, afinal quem teria um martelo em casa além de um estudante de geologia?

    sandro

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  7. Gostaria de dizer que apesar de não estar na CEU naquele dia(já não morava lá), me sinto feliz de ao menos ter participado da formulação do conceito da corrida-de-mãos-dadas e das procissões da CEU. É muito orgulho para um homem só!

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  8. Quase quebrei meu balde de plástico de tanto batucar....
    Parabéns Eduardo. Muito bom seu texto.

    Abraço

    Mr. Miner

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