Prefácio
Esta obra narra as memórias de um estudante universitário vívidas em uma Casa do Estudante Universitário. Não é possível distinguir a ficção da realidade tampouco precisar se as memórias do estudante aconteceram em um plano real ou são frutos de sonhos do mesmo.
Para melhor compreensão dos fatos a obra foi dividida em posts e os posts por sua vez estão subdivididos em casos específicos.
CEU ou Torre de Babel?
A Casa do Estudante Universitário (CEU) é onde os seres mais peculiares do mundo são alojados e obrigados a conviver e interagir uns com outros, independentemente de qualquer individualidade, sanidade mental ou traquejo social. Diferentemente da Torre de Babel, a língua falada na CEU é a mesma, salvo algumas palavras e sotaques característicos das várias regiões do estado, do Brasil e até de outros países. Sobre esses sotaques estrangeiros gostaria de elencar alguns personagens internacionais que conheci ao longo dos seis anos que morei na CEU, são eles:
- um russo hare krishna que tinha o costume de entrar nos quartos de desconhecidos que estavam com suas portas abertas com vistas a usar computadores para acesso a Internet russa (esse costume não era bem aceito pelos donos dos computadores);
- duas peruanas que dançavam suntuosamente um ritmo latino caliente até então desconhecido por mim;
- um alemão chamado Francisco que tinha grande interesse pela cannabis sativa local e tinha receio de ser passado para trás por algum brasileiro típico;
- um israelense (ou palestino ou árabe) que não tinha fluência em nenhuma língua viva conhecida atualmente - inclusive na dele - perdido durante o Fórum Social Mundial;
- alguns argentinos desprovidos de capacidade futebolística que em tese deveria ser automaticamente uma característica de todos os filhos dessa querida pátria vizinha;
- uma colombiana sem nada para destacar;
- e alguns africanos dos mais diferentes países com destaque para um congolês (que não me recordo de qual dos dois Congos era) que sabia a capital de todos os países reais e inventados do globo terrestre.
A CEU é a prova que pessoas com as características mais diferentes possíveis podem conviver em perfeita harmonia em um mesmo local. A CEU também é a prova que essas mesmas pessoas com as características mais diferentes possíveis podem conviver em estado de guerra constante, passando pelas mais inusitadas brigas e entrando em conflitos dos mais diversos gêneros.
6 Meses e alguns dias de irregularidade
Eu não entrei na casa necessariamente pela porta da frente, o meu insucesso no vestibular impediu que a CEU abrisse suas portas regularmente para mim, o que em momento nenhum me dissuadiu de adentrá-la. Enfim, em meus seis primeiros meses de estadia na tão difamada casa do estudante eu precisei ser muito perspicaz e em inúmeros momentos tive que ter muito arrojo para não me descobrirem.
Quero deixar bem claro que essa irregularidade era totalmente indispensável, não estava utilizando as benesses da assistência estudantil em vão ou para o meu bel prazer, era necessidade pura.
Foram seis meses tentando não ser notado. Os vizinhos de 7ª andar sabiam que eu estava ali, afinal de contas o banheiro era comum, mas o que ninguém sabia precisar era o porque de eu estar. Imagino que todos achavam que eu era somente mais um universitário estudioso e quieto, o que se configurava em um triplo equívoco, pois não sou quieto nem estudioso, e naquele momento não era nem a sombra de um universitário (o péssimo desempenho no 1º vestibular valida essa opinião). Eu era somente um paria infiltrado entre as futuras mentes pensantes da sociedade. Conhecer melhor essas mentes brilhantes me causou imensa preocupação com o futuro da nossa sociedade e me fez refletir ainda mais sobre quem salvará nossos filhos.
Na metade do ano de 2003 eu passei no curso técnico e enfim consegui minha vaga oficial na CEU, mas não canso de lembrar daqueles seis meses e alguns dias vivendo em um submundo obscuro e cheio de incertezas.
Na metade do ano de 2003 eu passei no curso técnico e enfim consegui minha vaga oficial na CEU, mas não canso de lembrar daqueles seis meses e alguns dias vivendo em um submundo obscuro e cheio de incertezas.